Um fenómeno interessante irá desenrolar-se na categoria de Melhor Filme da cerimónia deste ano dos prémios da academia americana do cinema: dos nove concorrentes à vitória, seis deles apresentam três temáticas ou assuntos semelhantes.
Falo de, aos pares, “Argo” e “Meia Noite e Trinta: Hora Negra”; “Django Libertado” e “Lincoln”; “A Vida de Pi” e “Bestas do Sul Selvagem”.
Quanto ao primeiro par temos como propósito principal a agência de espionagem norte-americana, CIA, e o seu modo de operação. No filme realizado por Ben Affleck esta exploração é deixada totalmente na primeira porção do filme, e apenas referida de passagem com a impreparação e desconhecimento do que se passava no Irão nos dias anteriores à Revolução Islâmica de 1979. Já no filme de Kathryn Bigelow esta temática é desenvolvida mais aprofundadamente, quer seja com a utilização de tortura como método de interrogatório válido, ou com a mesma impreparação face a um inimigo do qual pouco se sabia. Além desta visão sobre o funcionamento da agência de espionagem, também a política externa dos EUA merece destaque. No primeiro caso com a ainda clássica abordagem de distanciamento e subtileza, com a ajuda dos seus maiores exportadores, Hollywood. Já com “Meia Noite e Trinta: Hora Negra” os métodos são tudo menos discretos, incluindo funcionando a ultima meia hora como catarse terapêutica para a abalada psique colectiva norte-americana.
Em “Django Libertado” e “Lincoln” encontramos duas visões, diametralmente?, diversas sobre a temática da escravatura. Se Tarantino nos habituou ao seu estilo de realidade alimentada a cultura pop e, mais recentemente, a reescrever a História, também Spielberg nos acostumou já aos seus projectos certinhos, direitinhos, e pouco inspirados. Nenhum dos dois filmes foge do controlo dos seus criadores. Tarantino apresenta um épico de vingança protagonizado por um escravo negro liberto sobre o Opressor Branco, uma orgia de sangue e balas que é tremendamente divertida de ver. Já Spielberg opta por utilizar um biopic parcial de Abraham Lincoln para nos apresentar a abolição da escravatura nos EUA. Ou será o contrário? Um filme enfadonho, tão preocupado em parecer que não fala de cima para baixo aos seus espectadores que acaba por passar por pretensioso e com demasiadas parecenças com um documentário do canal história. Não deixa de ser curioso também que num filme onde a abolição da escravatura acaba por assumir papel central as personagens negras resumem-se a dois soldados na cena inicial, o mordomo do presidente e a dona de casa , e amante, da personagem interpretada por Tommy Lee Jones.
Com “A Vida de Pi” e “Bestas do Sul Selvagem” encontramos duas estórias sobre o crescimento individual ancoradas no Realismo Mágico, ainda que no primeiro exemplo este último aspecto seja mais frequente. Pi Patel vê-se perdido no oceano, obrigado a partilhar um bote salva-vidas com um tigre. Ou terá sido mesmo? O crescimento da personagem é forçado pela morte inesperada dos pais e a ausência de qualquer outro humano que o possa guiar obriga-o tomar decisões inesperadas. Já Hushpuppy vive na mais abjecta miséria, protegida da civilização por um pai e um grupo de adultos que preza mais a cura holística que o saneamento básico. Pouco há a dizer sobre este filme que não seja um elogia ao realizador estreante (em longas-metragens) Benh Zeitlin, que com uma utilização da câmara à altura da mini-protagonista e com uma escolha acertada de quais os ângulos a utilizar consegue manter viva uma estória com pouco conteúdo.
Seis filmes, três ligações muito fortes que provavelmente não se repetirão.