O Filme. O Trailer. O Poster. O Video-Clip. O Actor. A Actriz. O Realizador. Cinema enquanto passatempo, paixão e vício.
publicado por Fernando Oliveira | Terça-feira, 12 Junho , 2012, 18:54

Eric Packer é um prodígio da finança. Aos 28 anos é um dos mais ricos homens do meio e hoje decidiu que quer atravessar uma cidade de Nova Iorque invadida por uma comitiva presidencial apenas e só porque quer um corte de cabelo.

 

 

Não sou um conhecedor profundo da obra de David Chronenberg. De acordo com o que li, e o pouco que vi, a sua carreira de autor sempre se focou mais no que se designa como “body-horror”, um questionamento dos limites do corpo humano, a própria questionação de o que é o corpo humano e para que serve. No entanto é óbvio que nos anos mais recentes, coincidindo com o que tenho visto de forma mais atenta, este foco de pesquisa se tem deixado de ocupar da habitação física para questionar na mesma medida aquilo que nos faz mover. Não somos apenas um aglomerado de carne e ossos à espera da decomposição da matéria em estado inerte e tem de haver algo mais que nos propulsiona. Uma vontade, um condicionamento, um pensamento. “Uma História de Violência” e “Um Método Perigoso” analisam estes assuntos.

 

 

“Cosmopolis”, no entanto, não se ocupa apenas da alma de um indíviduo e analisa um meio de vida, a praxis e o ethos de um mundo muito específico. Baseado, e diz-se mesmo transposto quase literalmente para o grande ecrã, na obra homónima de Don Dellilo, Cosmopolis apresenta-nos em Eric Packer uma personagem central como avatar do mundo da especulação financeira e, de um modo mais abrangente, do Capitalismo Predatório que tomou conta do mundo a partir dos anos 80. Gordon Gekko dizia que a “Ganância é Boa” e levámos esta afirmação à letra, não tratando de a interpretar através da prisão e derrota do protagonista de “Wall Street” (Oliver Stone, 1987). Este sentimento foi deixado à solta, tomado como o sinal saudável de uma sociedade saudável e em evolução e, como resultado, o mundo implodiu sob o seu peso.

 

 

Divago. Voltando ao filme. Como já referi, Eric Packer é-nos apresentado como um avatar do mundo da finança moderna, uma indústria que apenas marginalmente pode ser considerada como tal e as pistas são-nos dadas ao longo do filme. Citações como “o dinheiro perdeu a sua narrativa”, tornou-se um bem abstracto, interdependente com a ciber-existência simbolizada no interior ultra-moderno da limusina do magnata. Um interior que não deixa de evocar o isolamento com o resto do mundo, insonorizando-o ao mesmo tempo que coloca o seu ocupante num trono, uma pequena sala real onde vai recebendo os seus mais próximos súbditos-colaboradores e onde é mesmo alvo de uma consulta de rotina. Tudo bem organizado para que o espectador não se esqueça que o que vê é nada menos que um rei atravessando um domínio a seu bel-prazer. Não se trata, no entanto, de uma figura régia vinda da história antiga. Não possui o que se pode caracterizar como as qualidades de uma figura vinda de uma educação clássica e, como tal, comporta-se como todos os representantes do “Novo Dinheiro”, dando simultaneamente novas pistas para uma caracterização do Capitalismo Moderno: não hesita em insistir para lá do razoável em comprar um mosteiro inteiro apenas porque gosta das pinturas que alberga, mantém a farsa de um casamento com uma herdeira de uma fortuna de família, o “Dinheiro Antigo” que parece sempre reflectir alguma respeitabilidade e evidencia a arrogância do sentimento de posse apenas por si próprio quando se refere a um antigo bombardeiro soviético obsoleto que adquiriu e mantém num hangar “é meu, passo lá para o ver”.

 

Nesta altura já o espectador se questiona de onde vem e qual a dimensão desta fortuna. Pois bem, Eric Packer é um jogador de casino. Típica actividade do Capitalismo Predatório, Eric aposta e gere um fundo que joga sobre as variações de mercado de unidades monetárias. Durante o filme o que lhe dá mais problemas e irá mesmo consumir uma parte considerável da fortuna é o yuan, a moeda da China. E é a partir daqui, do desaparecimento de uma fortuna em menos de um dia que verificamos a capacidade auto-destrutiva de Eric, novamente reflectida em todos os seus pares. A viagem através da cidade não passou de um pretexto para uma necessidade de sentir uma ligação ao mundo que o gerou, sendo o barbeiro um amigo do pai, mas nem isso já o consegue mover “tornei-me indiferente”, afirma a certo ponto. No entanto, não é essa a tragédia que Cronenberg acaba por nos apresentar. Ao repetir ao longo do filme a insistência de Eric em ser analisado diariamente por médicos, e a sua surpresa por uma assimetria em particular, o realizador chama-nos a atenção para o próprio desconhecimento que a personagem tem de si. Não só um desconhecimento primordial, mas também um estranhamento adquirido, incapaz já de se reconhecer. Algo que é ainda mais evidenciado quando, perto do final, alguém lhe exclama, e por arrasto a todo o Capitalismo, “queria que me salvasses”, uma evidência não só do estranhamento mas também do desespero e da desilusão.

 

Denso e capaz de capaz de despoletar no espectador uma série de reflexões sobre o mundo em que vivemos, com os seus longos diálogos enquadrados por uma realização que não faz da distracção visual uma arma, Cosmopolis não será um filme fácil para o público mais habituado a ver o seu protagonista em outros papeís. O que poderia ser uma limitação, dadas as dificuldades expressivas já conhecidas de Robert Pattinson, acaba por funcionar em favor da caracterização externa desta personagem, Eric Packer é frio e calculista, um Gordon Gekko para o século XXI.

 

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publicado por Fernando Oliveira | Sexta-feira, 08 Junho , 2012, 01:49

Financiado por uma corporação, um grupo de cinetistas testa a veracidade da sua teoria da criação humana por uma raça de criaturas extra-terrestres.

Muito resumidamente, esta pode ser a descrição do mais recente filme de Ridley Scott, Prometheus. Outra descrição, muito mais bombástica, seria “é a prequela do Alien!”. Uma estratégia de comunicação que não foi utilizada pelos produtores, e em boa hora assim foi decidida. Ridley Scott sempre se mostrou evasivo quanto a esta questão e, de facto, pouco há em comum com a obra-prima que nos apresentou em 1979. Sim, é uma prequela, mas apenas de forma lateral ou seja, passa-se no mesmo universo narrativo mas é uma estória diferente com muitos pontos de contacto.



Prometheus mantém as marcas de produção visual de Ridley Scott. Um design impecável e uma atenção ao detalhe quase doentia. Apenas a criação de ambientes sai  prejudicada pela decisão de filmar em 3-D. Todo o ar sombrio e ameaçador da Nostromo é agora substituído por uma nave exageradamente iluminada e anacronicamente mais bem apetrechada que o meio de transporte de Ripley e companhia. Um fenómeno conhecido como “Paradoxo Ameaça Fantasma” que tem tendência a ocorrer sempre que se decide fazer uma prequela algumas décadas depois do original.

Mas voltemos ao filme em questão. A data de estreia acaba por se revelar coerente com a estrutura e desenvolvimento. Estamos na presença de um bom filme de entretenimento, quase um blockbuster de Verão, com um ritmo bastante veloz no entanto com pouco espaço para criar uma atmosfera onde o espectador se possa ambientar. Honra seja feita aos minutos iniciais no planeta Terra e às cenas de apresentação do andróide David (grande Michael Fassbender). A partir do momento em que a tripulação acorda, segurem-se bem, porque vêm aí os pontos essenciais da narrativa e vão ter de se recordar deles. Não atingindo níveis catastróficos, os diálogos ocupam-se apenas de ser funcionais com poucas pretensões além disso, uma das desvantagens de ter demasiadas personagens num período de tempo limitado, sendo que algumas delas são absolutamente desnecessárias (sim estou a falar de ti, Charlie Holloway).

Confrontados com a oportunidade de buscar o Criador, devemos fazê-lo? Questioná-lo? Porque estamos aqui, o que existe além? E se não gostarmos da resposta que temos a ouvir? E se não existir resposta? Não são questões novas a aparecer no mundo da ficção ciêntifica. Star Trek – O Filme (1979, Robert Wise) coloca as mesmas questões e parece-me, de uma forma mais elaborada e completa que esta concretização de Prometheus. E, sobretudo, de forma menos previsível.

P.s.- o significado de Prometheus vai além do nome da nave espacial e da referência à cultura Clássica. Revelá-lo seria um enorme spoiler, mas a sua busca interpretativa é um dos maiores prazeres deste filme.


publicado por Fernando Oliveira | Segunda-feira, 26 Março , 2012, 18:22

Margaret Thatcher foi primeira-ministro de Inglaterra de 1979 a 1990. Filha de um merceeiro, presenciou os bombardeamentos Nazis na Segunda Guerra Mundial e teve uma subida a pulso no masculino mundo da política britânica. Os seus mandatos ficaram marcados por uma determinação obstinada e quase cruel que lhe valeram o epíteto de “A Dama de Ferro”. É, a par de Ronald Reagan, responsável pela implementação de políticas económicas de liberalização de mercados que originaram o que consideramos como Capitalismo Moderno.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Sabemos hoje que Margaret Thatcher é uma das responsáveis indirectas pelo cataclismo financeiro e social que nos assola desde 2008, através de políticas orientadas para a desregulação de mercados financeiros e a crescente destruição do estado-providência construído no pós-Segunda Guerra. No entanto, estes episódios são apenas aludidos brevemente em toda a duração do filme. Poderíamos estar perante uma opção ideológica da realizadora Phillyda Loyd, mas não nos parece que esse seja o caso.

Meryl Streep é fantástica. As recentes cerimónias de entregas de prémios da indústria cinematográfica têm-na sagrado como “o” ponto positivo do filme e não se enganam. Os mais de quarenta anos de interpretação de Maggie que lhe couberam em responsabilidade transformam-se em momentos hipnotizantes em que a actriz se perde por completo nos maneirismos, no excelente trabalho de caracterização e ainda na voz de Margaret Thatcher. Infelizmente o investimento visual no filme passa por pouco mais que a maquilhagem em Meryl Streep. Se é verdade que este ganhou mesmo um Oscar, não deixa de ser verdade que os planos de reacção a manifestações se tornam repetitivos pela incapacidade de as reproduzir para além das imagens de arquivo, assim como a montagem que pretende representar os anos de ouro do consulado Thatcher (a dança com Reagan e Mandela) se torna transforma em algo absolutamente patético e revelador da má opção de abraçar a vida inteira da biografada como matéria de trabalho.  A verdade é que este biopic segue o caminho de muitos estreados em anos recentes sobre figuras mediáticas dos últimos anos do século XX, como “A Raínha” e “Frost/Nixon”, mas não da maneira que esperaríamos. Enquanto estes dois optam por tomar apenas uma parcela particularmente relevante de uma vida para a apresentar, A Dama de Ferro acaba por se dispersar em vários episódios. Esta opção é mantida através das recordações da actual Thatcher, enquanto mantém um longo diálogo com o fantasma do marido. Tendo em conta a reputação inabalável da ex--primeiro-ministro, a escolha de uma via humanizante não deixa de ser desconcertante. Mas talvez ainda mais estranho seja a forma como Margaret Thatcher nos é, a dada altura, dada como exemplo do feminismo, passando a ideia de que na mente da argumentista Abi Morgan basta apenas ser-se uma mulher poderosa num mundo de homens para inspirar jovens, não havendo qualquer pensamento ou ideologia que a sustente. Uma inquietação que nos acompanha muito para além do final da película: afinal qual era a ideologia Thatcher? É-nos dada em pinceladas muito largas, quase tão caricaturais como a representação que cabe aos seus opositores políticos – todos homens, todos com um discurso inflamado.

Tal como Maggie diz ao seu médico que hoje em nos preocupamos demasiado com sentimentos e não com pensamentos, também nos parece que este “A Dama de Ferro” se preocupa demasiado em tentar passar a estória de uma mulher vitoriosa num mundo de homens e se esquece de qual foi o papel que Thatcher verdadeiramente representou no mundo actual.

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publicado por Fernando Oliveira | Segunda-feira, 29 Dezembro , 2008, 19:27

Depois de chegarem a Madagascar no capítulo anterior, Alex o Leão, Marty a Zebra, Glória o Hipopótamo e Melman a Girafa vão agora a África onde descobrem o seu lar ancestral e antepassados não muito distantes.

A guerra entre os estúdios de animação tem um líder destacado e, infelizmente para Madagascar 2, não é a Dreamworks. É verdade que o ogre verde é uma criação deste estúdio dos amigos Spielberg, Katzenberg e Geffen, mas não consegue ainda chegar ao nível de qualidade e apelo que tanto míudos e graúdos sentem com uma obra dos estúdios Pixar. Pode não ser justo referir numa crítica que este filme não é aquele, mas o barómetro de qualidade é indiscutível em todos os campos. Enquanto que a Pixar caminha na direcção do fotorrealismo, em Madagascar 2 a opção é por uma estilização cartoonesca de animais excessivamente antropomorfizados, assim como na maioria das animações da Dreamworks. Se em contos de fadas com gatos de botas e princesas consegue ser adequado, quando há interacção entre humanos e animais num universo que adere às convenções do Real, já começa a ser mais complicado aceitar.

Voltemos ao filme. Ao chegarem a Àfrica todos os quatro protagonistas encontram os seus grupos naturais onde se encaixam perfeitamente, até que a fórmula do capítulo anterior é repetida. Alex e Marty confrontam-se, colocando em causa a sua amizade, até que uma situação-limite os obriga a reatar o relacionamento entre ambos. Se a preocupação com os amigos é uma mensagem importante a passar às crianças, talvez seja importante também não as tratar como se fossem imbecis e investir em narrativas inovadoras e refrescantes (Wall.E). Também a registar o enorme tiro no pé que é manter as personagens mais carismáticas, os pinguins, de fora do ecrã durante a maior parte do tempo, os melhores momentos são protagonizados por estas aves impossibilitadas de voar, desde uma emboscada a turistas na savana a negociações sindicais com os trabalhadores manuais do seu novo projecto.
 
* Texto publicado na edição de 9 de Dezembro do Jornal Universitário A Cabra
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publicado por Fernando Oliveira | Segunda-feira, 29 Dezembro , 2008, 19:20

No inicio de “Boa Noite e Boa Sorte” vemos um discurso de Edward R. Murrow advertindo para uma vigilância ao papel social da televisão, não nos pode isolar do mundo através do entretenimento inconsequente, avisa o jornalista. Estávamos em 1958, mas o paralelismo entre os eventos retratados no filme de George Clooney e a realidade americana do passado muito recente não pára aqui. O ambiente de terror instituído pelas esferas de poder e acusações infundadas lançadas aos mais diversos opositores nos anos '50 é representado pelo Senador Joseph McCarthy e pelo Comité de Actividades Anti-Americanas, sempre pronto a lançar o epíteto de “Comunista” a quem quer que se lhe opussesse. Vidas foram destruídas, carreiras interrompidas, mesmo a indústria do cinema não escapou ao ambiente de paranóia vislumbrado na “Ameaça Vermelha”. Este clima de divisão maniqueísta é realçado pela opção estética do preto e branco, visão do “nós contra eles” a que os fundamentalismos não têm medo de recorrer.


 


O filme é um exemplo do que o Cinema ainda pode ser quando não tem medo de falar de temas que não apelem apenas à faixa etária mais jovem, mas falemos agora da edição DVD.
Em substituição do tradicional anuncio da Associação Portuguesa de Editores de Videogramas, advertindo contra os malefícios da pirataria digital, somos brindados com três trailers de filmes completamente díspares assim que colocamos o disco no leitor. Estará a Prísvideo a ignorar a luta constante que se deve manter contra as cópias não autorizadas? Não temos forma de saber, mas a inclusão de publicidade a outros lançamentos da editora trás à memória as edições em formato VHS dos clubes de vídeo, que nos informavam de outros filmes disponíveis. O conteúdo dos extras não é animador: o anunciado documentário de produção, apesar de bem conseguido, tem apenas 15 minutos e não há comentários do realizador. Pelo menos não chegamos ao ridículo de anunciar como “Extra” os menus interactivos do dvd...


 

 


 

* Critica dvd publicada na edição de 25 de Novembro do Jornal Universitário A Cabra
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publicado por Fernando Oliveira | Quarta-feira, 19 Novembro , 2008, 21:06

Bruges, cidade bucólica. Bruges, cidade medieval. Bruges, destino turístico apreciado pela multiplicidade de turismo cultural á disposição dos visitantes. Bruges, local perfeito para dois assassinos a soldo se esconderem depois de um trabalho que acabou mal.

É este o ponto de partida para “Em Bruges”: dois trabalhadores da indústria dos “afastamentos coercivos” são enviados para a cidade belga algumas semanas até que o ambiente causado por um trabalho mal executado se possa dissipar. Até aqui nada de fantásttico num filme que deixa antever, pelo trailer, mais uma estória de gangster ao estilo “Snatch” de Guy Ritchie. Ou seja, muitos tiros, muitos palavrões e personagens idiossincráticas enquanto que o resto do filme passa numa névoa de movimento estilizado.

“Em Bruges” não é isto.

“Em Bruges” é um Noir-Europeu como há poucos, sendo que aqui não é a cidade o local ameaçador que tão bem é representado no noir clássico, mas é sim um local quase paradisíaco subvertido pela presença de duas figuras que escapam ao bucolismo da “cidade medieval mais bem preservada da Europa”. Sigamos então para as personagens. Comecemos por Ray, interpretado por Colin Farrel, é o jovem impaciente, atormentado pelo tal trabalho que não correu bem e dominado por sentimentos de culpa em relação ao que fez. Para Ray, não só a cidade de Bruges é uma pasmaceira, como também o país onde ela se encontra, “Porque é que alguém tem de ir à Bélgica?” deixa a interrogação ao espectador no final do filme. Ao bom estilo do cinema noir, a culpa e os tormentos de Ray são finalmente ultrapassados quando este consegue relacionar-se com a mulher redentora do filme. Ken é mais velho que Ray. Ken aprecia o tempo passado em Bruges como uma verdadeira oportunidade para relaxar e acalmar, ao contrário de Ray. É o mentor deste, tendo os dois uma relação com uma dinâmica pai-filho que Ken será obrigado a testar por imposição de Harry. Harry é o patrão dos dois. Apesar de não ter meias-medidas no tratamento dos seus empregados, Harry é um homem de príncipios, o que não deixa de ser uma ironia, tratando-se de um gangster. Há ainda que referir o anão racista (do qual não me lembro do nome), cereja no topo do bolo de humor negro e seco que é este filme. A festa com o anão e as prostitutas a que Ken e Ray vão é uma das peças centrais na definição do tom de comédia negra, apesar de ser apenas um interlúdio na narrativa principal da relação entre Ray e Ken.

Primeira longa-metragem de Martin Mcdonagh, este que é já um realizador oscarizado com a curta Six-Shooter, faz aqui bem a transição para formatos de maior duração. O filme aproveita bem a paisagem de Bruges para lançar mão de alguns planos extremamente belos, enquanto deixa a narrativa a fermentar. Nada a destacar no campo da fotografia, mas a banda sonora merece destaque, com o minimalismo a saltar à cabeça.

“Em Bruges” é um filme sobre a inocência, como se perde, como a recuperar, se é que é possível e como a manter num contexto extremamente contraditório com ela. Excelentes desempenhos dos três actores principais, Brendan Gleeson, Ralph Finnes e, sobretudo, Colin Farrel.
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publicado por Fernando Oliveira | Quarta-feira, 12 Novembro , 2008, 20:38
A estória é conhecida, melhor ou pior, pela maioria da população atenta. George W Bush tornou-se o 43º presidente dos Estados Unidos no final do ano 2000. Desde então tem-se posicionado solidamente na pole position para a pouca ambicionada honra de “Pior Presidente da História”.

Apoiado numa linha temporal não-linear, o filme inicia-se, literalmente, dentro da cabeça de W. Durante uma reunião de preparação da guerra do Iraque, George vai ao seu lugar seguro: um estádio de basebol vazio onde ele é a estrela. Simbolicamente não poderia ser escolhido melhor local para que W se sentisse à vontade. O tem o som de aplausos ruidosos e W é o unico jogador em campo a apanhar a bola decisiva que decide o encontro, no entanto, algo está errado. O estádio está vazio e mais nenhum jogador está em campo. W acaba de ganhar um jogo sem qualquer concorrência e sem nínguem a ver. No final do filme, voltamos ao mesmo estádio, com W a tentar fugir dos problemas de uma guerra sem fim à vista, mas desta vez já nem a bola está no estádio. De certa forma, George W. Bush é isto mesmo: um jogador de basebol sem público, sem companheiros de equipa ou adversários a rodeá-lo e agora sem qualquer ideia de onde está a bola, aquilo que mais importa para um praticante deste desporto (“keep your eye on the ball”, ouvimos em outros filmes), representando aqui o foco do presidente, disperso por sua própria culpa.

Voltemos um pouco atrás. Como foi que W se transformou em Presidente dos EUA, era esta a pergunta que Oliver Stone lançava durante a campanha publicitária. É esta a estória que vemos ao longo das cerca de duas horas de filme. Nada que seja novidade, dada a extensa bibliografia já dedicada a George W. Bush, mas não deixa de lá estar quase tudo: o alcoolismo, a dificuldade em manter um emprego e, sobretudo, o tratamento que os amigos lhe davam como “rei da festa”, “macho-alfa” devido às relações familiares. O dificil relacionamento com os pais não deixa também de aparecer, assumindo principal importância a forma como W e “Poppy” Bush se relacionam. George Herbert Walker Bush é a antítese do filho. Ou melhor, o filho é a antítese do pai. Contraste procurado pelo próprio filho numa busca Edipiana de sair da sombra do pai, na tentativa de o superar e ultrapassar o mandato unico do pai como presidente. É tanto mais significativo então, o confronto entre os dois, durante um pesadelo de W, na sala oval da Casa Branca. Aqui nos é revelado outro dos segredos da familia Bush, que não é assim tão segredo: era a Jeb, e não George W, que estava a ser preparado o terreno para ascender à presidência, com “Poppy” a acusar W de destruir, em 8 anos, o nome da familia Bush.

Oliver Stone decidiu transpor para a forma cinematográfica a ascensão ao cargo de homem mais poderoso do mundo com relativa simplicidade, deixando o tom de sátira política presente apenas nas subtilezas da bando sonora, assumindo desta forma as declarações e actos das personagens principais como sátira reflexiva, uma espécie de conceptualidade na paródia que o é sem que os seus causadores se apercebam que a estão a fazer.

Quem é então George W. Bush? O filme de Oliver Stone abstém-se de traçar uma definição final, mas deixa algumas pistas. Ao longo das analepses é-nos dado a conhecer um homem comum, na corrente actual da narrativa vê-mos essa mesma pessoa, mas com poderes para ordenar a invasão de um estado independente e é talvez esse o traço definidor de W: um homem comum, que nunca deveria ter tido poderes tão alargados, em ultima análise, que nunca deveria ter sido eleito.
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publicado por Fernando Oliveira | Quarta-feira, 29 Outubro , 2008, 18:14
Se nos ultimos dias se tem sentido mais frio na rua, quase que poderia dizer que se deve em parte a este filme. Não por rejeitar uma ligação afectiva ao espectador, há bastante por aqui para o estabelecer, mas pelo olhar frio que os realizadores têm da sociedade portuguesa, em particular da desgraça que lhe é transversal.

Mas comecemos pelo início. De acordo com o Cinecartaz, «Entre os Dedos
é a história de um conjunto de pessoas que agora se limitam a sobreviver dentro do destino que lhes coube. Mas enquanto uns desistem e deixam cair os braços, outros resistem, esbracejam e lutam, recusando-se a deixar-se conformar.Depois de uma derrocada numa obra, Paulo perde o emprego porque denunciou a situação. A sua relação com a mulher vai piorando dia após dia. Anabela, a irmã de Paulo, vive com o pai de ambos, que sofre de síndrome do Ultramar. Bela é enfermeira e o único conforto de um doente terminal.»

Passando por cima da tradição nacional de incluir na sinopse uma interpretação do filme que se está a promover, a primeira impressão que se tem é que vamos assistir a mais um filme-mosaico, tão na moda. Sim, é um filme-mosaico, mas feito com os meios à disposição dos portugueses. Se a associação com um produtor brasileiro contribuiu para que o desnível técnico da produção nacional não se sinta aqui (e que parece sentir-se cada vez menos, mesmo em filmes 100% portugueses), estamos perante um filme-mosaico mais limitado em termos de dispersão de personagens e estórias a contar.
Aqui, a estória principal gira à volta do casal Paulo e Lucia (magnifíca Isabel Abreu), com algumas breves espreitadelas para a vida do pai e irmã de Paulo e de um doente a receber cuidados paliativos da ultima, que é enfermeira.
A economia torna-se util no desenvolvimento da narrativa principal de Paulo e Lucia, mas seria ainda mais util eliminando a estória do doente em fase terminal (cujo nome não cheguei a apanhar), que acaba por atrapalhar mais do oferecer uma perspectiva suplementar sobre o sofrimento humano.

Voltemos às personagens e à sua extrema humanidade. Paulo é um recém-desempregado depois de ter sido despedido da obra onde trabalhava, é-nos dado a entender por denunciar condições de segurança não cumpridas. O enorme orgulho impede-o de aceitar ajuda de quem quer que seja, mesmo do pai, com quem tem uma relação complicada. Após o despedimento é ainda lançado para uma depressão que o leva a negligenciar o que seria mais importante: procurar novo emprego. Lucia é a mulher de Paulo, mãe heróica de dois de filhos que tenta o possível e o impossível por manter o orçamento familiar equilibrado. A juntar a este relacionamento problemático está o da irmã e pai de Paulo. Ele, ex-combatente da guerra colonial portuguesa, racista contido com uma filha mulata. O confronto entre ambos está latente até que o pai explode e chama a filha de “preta” enquanto ouve um hino de exaltação à Guerra em Angola.

Salta à vista a fotografia a preto e branco, transportando para o espectador a glacialidade da vida das personagens do ecrã. A realização da dupla Tiago Guedes e Frederico Serra também merece uma referência, sendo de evidenciar a característica claustrofóbica que é dada à própria casa de cada uma das personagens, como se o mundo desabasse, mesmo no local onde se poderia encontrar algum conforto. A utilização de uma banda sonora minimalista contribui também uma sensação de frio vinda do ecrã. Não há nada de bonito ou para relaxar neste “Entre os Dedos”. Tudo é dificil de aguentar, a dor está presente em cada fotograma. Na esteira de Alejandro Gonzalez Iñarritu, aqui é a miséria da existência portuguesa no início do século XXI que é dissecada num argumento de Rodrigo Guedes de Carvalho. Sem compromissos na forma como cada personagem é retratada e na forma como a cada situação é dada uma resolução sem o ser, um final em aberto, porque a vida continua e é preciso continuar em frente.

Pode não ser o melhor exemplo de cinema português para o grande público, o apelo comercial de uma obra destas é bastante reduzido, mas é um bom sinal para os tempos que aí vêm, mostrando como é possível fazer cinema em Portugal sem deixar qualquer pormenor técnico enfraquecer a qualidade da obra.
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publicado por Fernando Oliveira | Quarta-feira, 18 Julho , 2007, 00:32
"A Noiva"

De: Ana Almeida
Com: Bárbara Magalhães, José David Coimbra
Portugal, Côr, 6m57s, 2007.




Um jovem casal pára na margem do Douro e entra num celeiro abandonado...


Amadores, sem apoios do ICAM, rodando apenas quando os horários de trabalho o permitiam, mas com muita vontade de fazer algo bom. Pode descrever-se desta maneira os cineastas responsáveis pela produção desta curta-metragem que tem ganho prémios e estado presente em festivais um pouco por todo o mundo.


É uma curta... muito curta. De facto, sete minutos não é suficiente para avaliar de forma segura certos aspectos de um filme, como por exemplo: a performance dos actores, que parece, no entanto, boa. Ainda assim, salta à vista a direcção artística que e o cuidado com a iluminação na cena no interior do celeiro.
Ainda a destacar as boas ideias de realização que vão sendo mais abundantes no cinema português ("Suícidio Encomendado" tem bons exemplos) e que são uma variação refrescante dos planos televisivos de grandes planos constantes que ainda minam a cinematografia nacional.
Parabéns à equipa, que povou ser possível fazer cinema com poucos recursos e usando a dedicação como arma principal. Espero por este, para avaliar progressos mais próximos de casa.
Para mais informações e noticias actualizadas sobre participações em festivais deste "A Noiva", podem ir aqui ou ainda consultar o IMDb para a ficha técnica completa.
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publicado por Fernando Oliveira | Segunda-feira, 16 Julho , 2007, 02:34
Bruno "The Coiso" Gonçalves escreve, em exclusivo para o Salas Escuras, sobre "Death Proof". À pala de uma equipa de reportagem a fazer o seu honesto trabalho, o jovem produtor/jornalista do RCP- Porto disponibilizou-se para escrever sobre o mais recente filme de Quentin Tarantino.

«“Ladies… we gonna have some fun”. É uma das frases-chave de Stuntman Mike (Kurt Russel) mas que se encaixa que nem uma luva naquilo que nos espera quando nos preparamos para assistir a Death Proof (Á Prova de Morte) … só têm que tirar o “ladies” (ou não).
O festival internacional de cinema de Vila do Conde teve a felicidade de exibir, em antestreia nacional, um dos filmes mais aguardados do ano. Grindhouse é o nome do projecto que une o talento de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez em homenagem ao cinema exploitation (caracterizado pelo cocktail de moçoilas jeitosas a exibir atributos, muito sangue e membros decepados, fracos desempenhos e extremo mau gosto) e que é constituído por duas películas, o já referido Death Proof e Planet Terror.
A organização do festival já esperava casa cheia na estreia do filme, mas a procura foi tal que se viram obrigados a realizar mais uma sessão.
Foi uma segunda sessão a rebentar pelas costuras (também esgotada), que me garantiu um fantástico lugar nas escadas da plateia, no meio de muita gente ansiosa pela experiência que ia ter início.
E que experiência… Tarantino é um mestre digam o que disserem. As suas obras anteriores (como Jackie Brown e Kill Bill Vol. 1 e 2) já assentavam na estética e premissas dos filmes exploitation dos anos 60. E por falar nos outros filmes do realizador americano, temos pormenores deliciosos que rapidamente nos remetem para esses mesmos filmes, principalmente na cena que se desenrola dentro da loja da estação de serviço.
Tarantino volta a fazer uma perninha como actor e a provocar a primeira sessão de gargalhas, aplausos e assobios na sala interpretando o seu papel de proprietário de um bar.
É apenas a primeira das várias manifestações da plateia nas quase duas horas que dura o filme. Existe uma constante interacção entre o que se desenrola na tela e a plateia, o que torna esta sessão diferente de uma sessão normal. Poucos são os filmes em exibição que conseguem estabelecer esta ligação com a plateia que aplaude cenas como se estivesse a ver um espectáculo ao vivo qualquer, e não um filme numa sala de cinema.
A história gira em torno de um duplo de cinema de seu nome Stuntman Mike (um Kurt Russel revitalizado), que conduz um Dodge Charger preparado para ser literalmente “à prova de morte” e que se vai atravessar no caminho de oito beldades. Umas irão dar mais luta do que outras.
A homenagem que Tarantino quis fazer a este tipo de cinema é levada ao extremo. Ao ponto de o filme apresentar falhas no som, saltos na imagem, uma fita riscada tudo para que nos leve a regressar às grindhouses, onde eram exibidas, por vezes ininterruptamente, dia e noite, filmes série B.
Para quem é fã de Tarantino, dificilmente não gostará. Para os restantes espectadores, devem ir de mente aberta para perceberem que vão a muito mais do que uma sessão de cinema…»
Assim que o filme estrear no resto do país, Coimbra mais propriamente, escreverei aqui o meu comentário. Para já, o meu obrigado e, Bruno, O cheque já está no correio.
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